A "NOITE" QUE NINGUÉM VÊ!

O "Cotidiano Lagartense" é repleto de nuances, detalhes que muitas vezes passam despercebidos aos olhos comuns, mas que se formos prestar atenção com uma certa dose de sensibilidade, veremos que nossa cidade não difere muito das grandes capitais, reservando  às devidas proporções, possuímos os mesmos conflitos e compactuamos com os mesmos problemas...
Hoje me permito fazer uma reflexão sobre aquelas que têm a noite como seu ganha pão.
Ontem mesmo, por pura coincidência, daquelas que só acontecem por acaso, precisei ir ao Hospital Universitário, e  passando pela avenida, próximo ao Balneário Bica, me deparei com uma profusão de mulheres trans, exercendo a "função" naquela localidade. Parei, cumprimentei a todas, e ouvi de uma delas um apelo que ficou a reverberar em meus tímpanos... " Eu tenho um Curriculum em casa, tem como vc conseguir um trabalho normal pra mim? É que eu queria voltar a estudar, e pela noite só da pra estudar se eu tiver um trabalho normal durante o dia".
Mas que o apelo em sí, o que me cortou o peito, foi ver uma jovem tão bela, tão inteligente e articulada, tendo que comercializar sua genitália por pura falta de opção, de perspectiva!
Mas no âmago, no cerne de sua existência como pessoa e cidadã, veio à tona o desejo de ser vista pela sociedade lagartense como pessoa digna de se "enxergar" de se "dirigir à palavra"; e olhe que na sua grande maioria, seus clientes fazem parte de uma pseudo e amargurada "sociedade", casados em sua totalidade, que buscam na noite aquilo que normalmente sufocam de dia.
Nosso município abriu as portas para o desenvolvimento tecnológico, e também para a diversidade, incluindo aí a sexual; mas coisa que não muda, é o anonimato e a invisibilidade dessas damas da noite, que satisfazem os prazeres blasfemos de seus cidadãos, sem contudo conseguir exercer plenamente a sua cidadania.
Uma profissão antiga que carrega o peso do preconceito e o estigma da  violência, que venha o tempo, em que antes de julgar ou atirar a primeira pedra, possamos enxergar com profundidade a vida que passa de soslaio, e quem sabe darmos oportunidade a esses e essas invisíveis, um lugar, apenas um lugar na nomenclatura que define nossa sociedade de fato.
Nesse cotidiano noturno, as damas da noite tem um "naipe" diferenciado, e de sua auto-estima depende a "normalidade" do que é escuso.

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